Em 1950, a população brasileira era de 52 milhões, e a maioria vivia na zona rural. E em 2013, a população brasileira ultrapassou 200 milhões, com cerca de 85% residindo na área urbana. Este é o resultado do êxodo rural que exigiu cada vez mais planejamento urbano. A estratégia inicial, nas décadas de 1960 e 1970, foi investir vultuosamente em alargamentos de ruas, vias expressas e acessos rodoviários nas cidades, contribuindo grandemente para a formação da cultura do automóvel. A prática persistiu nas décadas posteriores, gerando e agravando problemas de congestionamento e acessibilidade. O modelo continua em voga até hoje, apesar de ser incoerente com a nova realidade do cenário urbano.
É aceitável que, no século passado, o setor responsável pelo planejamento das cidades priorizasse o carro e nem suspeitasse de que isso era um erro. Entretanto, há muito tempo que outros países já passaram por este ciclo de aprendizagem, sofreram com a invasão automobilística e perceberam que deviam apostar em soluções e alternativas. Não era necessário chegar à calamidade que se instaura na mobilidade urbana brasileira, bastava uma visão de futuro para aprender com os erros dos outros.
O movimento ciclístico no Brasil, que felizmente é crescente, mostra que uma parcela da população tem esta visão de futuro, está um passo à frente da maioria e aposta na bicicleta como um meio de transporte no cotidiano. Mas a verdade é que nem todos compartilham desta preferência. Seja por limitações físicas, outros obstáculos ou pela simples escolha de não fazer da pedalada um hábito, algumas pessoas simplesmente não querem andar de bicicleta. Para muitos – pelo menos, por enquanto – é inimaginável trocar o carro pela bicicleta.
Muitas vezes, nós insistimos em como convencer mais pessoas a pedalar, e esta é uma missão importante. Mas há outra questão relevante: como convencer as pessoas que não pedalam a apoiar também o investimento em infraestrutura ciclística? A ONG People For Bikes elencou cinco pontos que ciclistas podem usar a seu favor:
1 - A infraestrutura ciclística cria mais espaço na estrada para os carros
Se analisarmos as cidades amigáveis à bicicleta, perceberemos que como a maioria da sua população anda de bicicleta, o tráfego de carros é melhor. A ausência de milhares de carros a mais nas ruas, substituídos pelas magrelas por boa parte da população, diminui o congestionamento e a poluição da cidade.
2 - A infraestrutura ciclística cria empregos
Construir ciclovias, elaborar ciclofaixas, bike box e implantar outros mobiliários urbanos pensados para ciclistas cria mais empregos que a construção de rodovias. Os negócios e empregos gerados refletem na economia local, como lojas e fábricas, e incrementam a demanda por serviços de urbanistas, engenheiros de tráfego, contadores etc.
3 - As rotas para bicicletas, bem projetadas, tornam o caminho mais seguro para todos
Quando Nova Iorque implantou ciclovias protegidas na 9ª Avenida, em Manhattan, esperava-se que as pistas tornassem o deslocamento em bicicleta mais seguro. O que, de fato, aconteceu, foi que o trajeto se tornou mais seguro para todos, com redução de 56% nas lesões por acidentes de trânsito. Dados semelhantes podem ser obtidos em outros lugares do mundo, provando que quando o caminho está preparado para receber os ciclistas de maneira segura, ele é, na verdade, seguro para todos os seus usuários.
4 - A atividade física contribui para uma comunidade mais produtiva
Ser ativo melhora a capacidade de concentração e produção, e ajuda a afastar a depressão e ansiedade. A bicicleta é uma maneira fácil e prática de incorporar a atividade física na vida diária. Isto reduz os custos de saúde pública, torna a mão de obra das empresas mais produtivas e aumenta a qualidade de vida de todos. Até mesmo as crianças se beneficiam e têm um desempenho escolar melhor, quando são ativas e andam de bicicleta.
5 - A infraestrutura ciclística é bem mais barata
Qualidade de vida para todos
Outro fator importante que pesa para que ciclistas e não ciclistas apoiem a implantação de infraestrutura cicloviária é a qualidade de vida, intimamente relacionada à mobilidade urbana. O jornal mexicano La Jornada exemplifica com o caso da Cidade do México. Em 2010, a esquecida região em que se encontra o Monumento à Revolução ganhou infraestrutura ciclística. Logo, alguns comércios foram abertos e o local que era considerado de risco se converteu em um espaço público convidativo à convivência dos cidadãos. Leia-se, de todos os cidadãos, e não apenas dos ciclistas.
Ciclistas e não-ciclistas ganham em qualidade de vida quando a cidade aceita uma estrutura de mobilidade socialmente efetiva. Quando o poder público prioriza a mobilidade individual motorizada, ao invés de gerir um transporte coletivo de qualidade e incentivar modais alternativos, como a bicicleta, está na verdade acentuando as diferenças entre as classes sociais, ao invés de compensá-las. Além disso, esta situação prejudica a qualidade de vida urbana por não atender ao princípio de sustentabilidade, em seu tripé ambiental, social e econômico.
O planejamento urbano não pode continuar priorizando o automóvel, nem devemos viver a ilusão de que a bicicleta é solução para tudo. O urbanista dinamarquês Jan Gehl certa vez declarou que “é preciso que as pessoas exijam as coisas certas. Se você, por exemplo, perguntar a uma criança o que ela quer de natal, ela vai responder uma lista de coisas que já conhece. Uma criança nunca pediria algo de que nunca ouviu falar.
O mesmo vale para as demandas das pessoas em relação às cidades. É fundamental que haja informação sobre como uma cidade pode ser melhor para que a sociedade exija as coisas certas”. Uma cidade melhor para todos precisa oferecer a oportunidade de cada um se locomover como preferir, e que cada um tenha informação e consciência para saber fazer a escolha certa.