Era uma vez um rei muito mau, tão perverso que, na véspera de Natal, irritado com a alegria dos súditos, decidiu impor ao reino grandes congestionamentos. Como depois de muito pensar, nada lhe ocorria que pudesse atender sua expectativa de maldade, mandou chamar o ministro mais sádico.
O condestável propôs o plano malévolo: para paralisar a cidade, causar os maiores engarrafamentos de todos os tempos, temos que financiar a produção e a venda de automóveis, vender combustível barato e, principalmente, tirar das garagens os carros que ficam parados a semana toda.
E para isso, a maior de todas as maldades, vamos realizar um grande plano viário. Criar novas avenidas, alargar as existentes, construir pontes sobre os rios e túneis sob as montanhas, um grande rodoanel em volta da capital e um pequeno anel viário em volta de seu centro.
Ao anunciar as medidas, o rei pensava ouvir gritos desesperados e choro. Mas logo notou que suas propostas rendiam elogios. Os jornais do reino saudaram o déspota como visionário. Um grande jornal opinou: "Grande parte da responsabilidade dos congestionamentos no reino são decorrência da falta de obras de ampliação da infraestrutura viária na cidade", celebrando que agora a realidade seria alterada.
O rei reclamou ao auxiliar: "Eu lhe pedi uma maldade e você faz o que o povo quer? Tudo que ouço são elogios!"
O ministro respondeu rapidamente: "Nada mais equivocado. Eles não perdem por esperar. Em pouco tempo, o trânsito será insuportável".
Vieram as eleições e as obras viárias foram apresentadas como criações redentoras, o governo do rei foi aprovado. Antes do que previra o grande bruxo, porém, imensas paralisações começaram a acontecer nas cidades. Em um fim de semana, os caminhos todos que atravessavam o reino ficaram ocupados por carros parados, milhares de quilômetros a perder de vista: todos os veículos se colocaram em fila, uns atrás dos outros, estacionados por 24 horas, 48 horas, continuamente.
Feliz com a plena realização de seus desejos perversos, o rei mandou chamar o ministro e ao vê-lo, foi logo perguntando: "Como pudestes ter ideias tão perfeitas?"
Foi quando o consultor explicou: "Estudei engenharia de tráfego, li os melhores tratados publicados em outras nações e totalmente desconhecidos nesta vossa terra de reinóis ignorantes. Bastou-me fazer o contrário do que ensinavam. Naquelas obras sagazes, grandes estudiosos ensinam que quanto maior a oferta de vias, mais carros são atraídos. Aquelas nações distantes, como Estados Unidos, Inglaterra e França, diante de tais constatações, interromperam a construção de grandes obras viárias nas cidades. Ao contrário, a cada ano, fecham aos carros centenas de quilômetros de vias em cada grande cidade. O que lhe propus foi fazer o que eles evitam".
Antes de ir, o ministro vaticinou: "Quando se constrói uma via, 90% de seu espaço é ocupado no primeiro ano; em dois anos, o congestionamento supera em 20% tudo que foi adicionado".
O rei anotou a profecia matemática de seu sábio ministro. Aproveitou que os súditos ignoravam a ciência do trânsito para nos anos seguintes manter sua plataforma perversa: "Governar é construir estradas e criar grandes engarrafamentos".
Fonte : Jornal Folha de S.Paulo - Leão Serva
2 comentários:
Um perfeito retrato da triste realidade Brasileira através dessa crônica, parabéns vô sempre trazendo material de qualidade para o seu blog!
A solução está exatamente na contra-mão do que se faz hoje. Hoje atua-se no efeito e não na causa. Falha básica de gestão!
Postar um comentário