A falência do sistema de transporte público por ônibus no Brasil está prestes a se tornar realidade. Indicadores de perda de passageiros, de endividamento e de fechamento de empresas, além da visível deterioração da qualidade dos serviços prestados são sinais evidentes desse lamentável processo que avançou sobre o setor.
A tragédia anunciada não poupou as empresas, muito menos os passageiros. Ao contrário, o cidadão que depende do transporte coletivo para os deslocamentos diários passou a ser duplamente penalizado pela política equivocada do governo federal, que incentiva a propriedade e o uso de automóveis, provocando o crescimento vertiginoso dos congestionamentos urbanos. O resultado dessa perda de produtividade dos ônibus representa acréscimo de até 25% no preço das passagens.
Este é o pior dos mundos para o sistema de transporte público do Brasil. É o passageiro tendo que arcar com custos altos e ainda conviver com deslocamentos precários, sem conforto e sem garantias de chegar aos compromissos em tempo hábil.
O atual retrato do transporte coletivo forjou-se nas últimas décadas. Desde meados dos anos 1990 o setor vem perdendo qualidade e desempenho, resultado do incentivo ao transporte individual. Nos últimos anos a situação se agravou, com sucessivas perdas de demanda – da ordem de 20% no período de 2014 a 2017 – e o endividamento severo de mais de 30% das empresas, sendo que dez por cento delas já fecharam as portas, entre 2014 e 2016.
Fatores como o acirramento da crise econômica, o represamento de tarifas - a partir das manifestações de rua, em 2013 – e o consequente descumprimento dos contratos de concessão impulsionaram a degradação dessa atividade. No entanto, é preciso que se diga que muitas propostas de melhorias feitas pelas empresas operadoras foram ignoradas pelo poder público. Quando muito, adoçaram discursos em vão e não surtiram o efeito devido.
Inicialmente, vieram as promessas do governo federal de um Pacto Nacional pela Mobilidade Urbana, que não foi adiante, mesmo com o anúncio de implementação dos projetos de melhoria na infraestrutura urbana – que hoje, de tão precária, é incompatível com o mínimo de qualidade exigida para esse transporte.
Por todo esse elenco de situações o setor finalmente dá um basta às promessas e se une, a um triz da derrocada final. Colocou preto no branco, no documento “Carta de Brasília”, enviada aos principais entes públicos ligados ao setor, e agora se volta à perspectiva de contribuir para a construção de novos planos de governo capazes de reabilitar a atividade no país.
Antecipa-se em divulgar propostas que incluem o financiamento de parte dos custos operacionais do transporte coletivo pelo transporte individual; englobam a retomada dos investimentos na infraestrutura urbana e a priorização do espaço urbano destinados ao coletivo urbano; incluem a apropriação clara e transparente dos custos envolvidos na atividade e sua divulgação para toda a sociedade; sugerem a cobertura dos custos das gratuidades e de benefícios tarifários no transporte público por toda a sociedade, por meio dos orçamentos públicos, e não apenas pelos passageiros pagantes; e indicam outras ações nessa linha.
O alerta sobre a degradação do serviço de ônibus coletivo é feito desde 2013 pelo setor, só que agora o pedido de socorro não pode mais ser ignorado, sob pena de comprometer a continuidade do serviço, de ameaçar a sobrevivência das empresas e a manutenção de quase 500 mil empregos diretos gerados pela atividade. Quem assumirá o ônus?
OTÁVIO VIEIRA DA CUNHA FILHO é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos - NTU.
Artigo publicado na revista NTUrbano março/abril de 2018.
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