segunda-feira, 11 de novembro de 2013

34 - Para reflexão: Sob o império do automóvel, súdito do deus Circulação

Em São Paulo,(aqui em Pedro Leopoldo) e em todas as cidades brasileiras, sobrados cedem lugar a edifícios. Em cada novo apartamento, dois novos carros. Uma conta rápida e temos o caos, constata Benedito Lima de Toledo, professor titular da Faculdade de arquitetura e Urbanismo da USP e autor, entre outros, desse artigo:
“O urbanismo é a arte de satisfazer as funções vitais do homem assegurando uma comunicação satisfatória entre essas funções e os próprios homens". Devemos a definição a Bernard Oudin, de seu livro Plaidoyer pour la Ville(1972).
O mesmo autor observa que não há necessariamente relação entre largura das vias e largura de visão. É um tributo pago ao deus Circulação.
Entre nós prevaleceu o conceito de que grandes administradores são homens que abrem grandes avenidas, ou alargam as existentes com sacrifício das calçadas reservadas aos pedestres.
São homens tidos como de visão pela simplória iniciativa de tamponar rios, privando a cidade desse valioso patrimônio paisagístico.
Locais que “contam o passado ao presente” e marcos arquitetônicos são apresentados como testemunhas do atraso. Um estacionamento certamente representará maior rentabilidade, afinal o carro é súdito do deus Circulação.
Algumas empresas chegam a exigir que seus funcionários graduados utilizem carros dos últimos modelos. Manobristas de alguns restaurantes evitam estacionar à porta carros mais antigos ou mal conservados de seus clientes.
Não é possível assistir a um noticiário de televisão que não seja interrompido, quatro ou cinco vezes, para apresentação dos últimos modelos de carros potentes vistos circulando em velocidade por estradas vazias, deixando para trás folhas secas esvoaçantes de plátanos. 
Que tal mostrar o mesmo veículo em um desses congestionamentos quilométricos de fim de tarde? Seria, então, possível constatar que toda essa potência a ser utilizada no transporte individual é impotente no trânsito.
O fenômeno gera frustração, estresse e comportamento agressivo, na premissa de que o cidadão que se sentou no carro deixou a educação em casa.
A música no trânsito foi utilizada por Gershwin em seu Um Americano em Paris, com o som claro de buzinas. Muito diversas são as buzinadas dos neuróticos que imaginam poder, com esse expediente, empurrar o trânsito auxiliados pelo som de um enxame de motoqueiros.
As perspectivas nesse quadro são preocupantes. O número de carros que ingressa no trânsito não encontra correspondência nos que são retirados de circulação. Os carros velhos passam a ser utilizados como veículos de carga pelos pedreiros, encanadores, pintores e seus familiares aos domingos.
A especulação imobiliária é outro grande agente desse desequilíbrio. Ruas ocupadas por residências unifamiliares vêem seus sobrados ceder lugar a edifícios. Como cada novo apartamento contará com dois carros, é só fazer a conta para verificar por que as ruas ficam sufocadas com edifícios regurgitando veículos.
Em ruas onde há comércio, somente a “seus clientes” é permitido estacionar entre as faixas demarcadas no solo. Os pedestres que se danem pelas sarjetas, disputando lugar com os motoqueiros (e ciclistas no caso particular de Pedro Leopoldo).
Como se vê, urge a retomada da cidade por seus legítimos donos: os cidadãos. O grau de civilização de um povo pode ser medido pela liberdade com que as pessoas podem desenvolver suas potencialidades, por tudo que as cidades lhes têm a oferecer. A urbs é o local de convívio, do encontro em lugares públicos onde as crianças podem se beneficiar da boa insolação que não contam em seus apartamentos.
Keneth Frampton lembra que a palavra edifício nos remete ao verbo edificar, que não significa apenas construir, mas, igualmente, educar, estabelecer, fortificar, instruir. Da mesma forma, podemos acrescentar, a palavra urbanidade carrega muito mais riqueza do que aparenta.
As relações dos veículos motorizados com as cidades referidas como históricas (por acaso há alguma cidade fora da história?) podem ser catastróficas, a exemplo do que vem ocorrendo com aquelas conhecidas como do “ciclo do ouro”.
São cidades erigidas a partir de riachos onde se bateava ouro, e que foram se expandindo. Não conheceram traçado regulador em sua origem e se desenvolveram escalando morros. As ladeiras são traço marcante em sua estrutura. O visitante perceberia melhor o assentamento urbano, as serras, os riachos, se circulasse como os garimpeiros do século 18, a saber, a pé ou no lombo da mula. É outro ritmo, outra escala. O ruído das ferraduras das mulas no piso empedrado, ou o ruído solitário da água da fonte na noite silenciosa são insubstituíveis.
Mas, ao circular de carro com seu ar condicionado ligado, privado de todo contato com o ambiente pela blindagem dos vidros ou pela luz filtrada dos bloqueadores solares, tudo se reduz à preocupação com as manobras em ladeiras sinuosas, fato que está na origem de danos a monumentos como chafarizes e pontes.
Em algumas das antigas aldeias de Portugal, proíbe-se a entrada de veículos. Monsaraz e Óbidos são bons exemplos. Há estacionamento fora dos muros à disposição dos visitantes. Desfruta-se de uma tranqüilidade ao se transitar pelas ruas e vielas e ao se sentar ao fim da tarde para um copo de vinho a acompanhar um prato de borrego.


Grato aos que mais uma vez dedicaram uma parte do seu tempo para a leitura de mais um artigo.
Grato a ti Senhor também por mais esta oportunidade que me destes de trazer esse artigo à apreciação dos leitores para uma reflexão. 

Um comentário:

Unknown disse...

Apesar do império do automóvel estar se expandindo cada vez mais, ainda há esperança. Tenho visto cada vez mais o assunto mobilidade urbana (no sentido amplo) tomar espaço na mídia. Um exemplo disse pode ser visto no site da EXAME- Vejam os links:
http://exame.abril.com.br/topicos/cidades

http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/a-solucao-para-crise-do-transporte-cidades-compactas