terça-feira, 26 de maio de 2020

# 139 - CAMINHAR PELA CIDADE.


Temos medo de andar pela cidade. Esta é a triste realidade constatada em pesquisa recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o bem-estar em seus 34 países membros, citada em recente artigo no caderno Aliás (Estadão) pela professora Fraya Frehse.

Neste artigo, com o sugestivo título “Medo da rua”, a professora ressalta que a “associação entre insegurança e espaço público é concepção recente, no Brasil urbano.

Cabe perguntar: o que houve  para que perdêssemos parte do prazer de caminhar por nossas cidades? O medo venceu o prazer. E pelo que se conclui, andar tornou-se um desafio em tempos de violência. Mas seria apenas a violência (insegurança) a explicar este temor?
Em qualquer cidade brasileira o ato de caminhar tornou-se por si só um desafio.

Como sintomas da ausência de segurança e da má qualidade dos serviços urbanos e de estrutura, a “falta de policiamento, medo de assalto, presença de mendigos / drogados, além de “ruas desertas com pouca gente no local”.

Calçadas esburacadas, além da presença de lixo na rua, somado a ruas escuras e falta de iluminação, foram citações determinantes do usuário da ausência de serviços urbanos e de estrutura em sua primeira etapa da porta de casa à condução. Pontos de ônibus sem abrigos e mal cuidados e grande distância a percorrer, foram também citados na pesquisa. E se na calçada os riscos já são grandes, ao atravessar a rua o perigo aumenta exponencialmente, graças às condições de sinalização amplamente favoráveis aos automóveis, como tempos exíguos de travessia – o pedestre mal consegue alcançar o meio da rua –, ou, pior ainda, o tempo absurdamente grande de espera para abertura do sinal.

Não era para ser desta forma, mas no Brasil “ser pedestre” tornou-se antagônico a “dirigir automóvel”. Como se fossem opostos, integrantes de tribos estranhas e rivais, eles disputam o espaço público a cada centímetro, disputa que repercute na sinalização e nos semáforos, semáforos que historicamente priorizaram o movimento dos veículos em detrimento das pessoas.

Pedestres e motoristas não são diferentes apenas no modo de se locomover, mas principalmente na maneira como o estado brasileiro investiu em infraestrutura para cada qual dos modos.

Além disso, pode-se afirmar sem medo de erro que carro faz mal à saúde, e não apenas por causa do ar poluído e da poluição sonora. As doenças que o sedentarismo tem provocado – hipertensão, obesidade e diabete –, perfilam ao lado dos distúrbios psiquiátricos como as epidemias do século 21. O remédio? Caminhar, pedalar, usar transporte público... Não cura, mas diminui em muito os riscos.

Mas na lógica humana (e urbana) argumentos como os apontados acima não convencem, tampouco mudam hábitos e costumes.


Luiz Carlos Mantovani Néspoli Superintendente da ANTP